terça-feira, julho 04, 2006

E eis que o "FMI" atinge as autarquias portuguesas

O Jornal de Negócios anunciou ontem que em caso de as dívidas a fornecedores de uma autarquia superarem os 50% das receitas geradas, o Estado poderia declarar a "falência técnica" e impor algumas medidas para rectificar a situação.

O JN hoje concretiza um pouco melhor as intenções do Governo nesta matéria.

Assim, as autarquias poderão suscitar uma "injecção de capital através de endividamento", ficando sujeitas a diversas imposições, definidas consoante cada caso particular:

- redução do investimento;
- melhor afectação de verbas;
- optimização dos RH;
- recurso a outsourcing.

Tudo isto, num plano rigoroso em termos de datas e cadernos de encargos.

Ora, nada disto surpreende. Até porque seriam as medidas que qualquer gestor privado tomaria. E é precisamente essa a grande questão. Não está em causa a correcção das medidas, está em causa porque é que nunca foram postas em práticas pelos proprios autarcas. É claramente um problema de incentivos.

A melhor afectação de verbas e optimização dos RH são medidas obvias de boa gestão. Incompreensível como é possível ter que ser decretadas pelo Governo. O outsourcing, pode ser apenas uma forma de desafogar as contas, tirando custos de pessoal, mas pode também ser uma boa medida, se for económicamente mais compensatória que a contratação (provavelmente é). O menor investimento é obviamente uma medida necessária neste contexto, mas não necessariamente ideal. O investimento é outro ponto importante de qualquer autarquia, provavelmente a fonte de todos os problemas, soluções e eleições. Portanto estas medidas vão funcionar como uma espécie de FMI no tempo do Dr. Soares (para resolver problemas semelhantes..?). Resta saber se os economistas deste FMI darão tão boa conta do recado como os seus antecessores.

Como dizia, este é claramente um problema de incentivos. O gestor privado tem que maximizar a riqueza do proprietário (mesmo neste caso, há problemas, chamados agency problems). O gestor publico, nomeadamente o autarca tem que optimizar o bem-estar do concelho, usando os recursos ao seu dispor. Ora aqui está uma fonte de problemas. Normalmente, o autarca maximiza o investimento ate ser investigado, punido, controlado centralmente ou reeleito, isto sem ter em conta a sustentabilidade das contas. O problema reside no investimento. Se for feito com vista a satisfação momentânea do eleitor, em vespera de eleições, provavelmente o investimento só quer dizer dívida no longo prazo, e esta, impostos. Apenas se deve compromenter o futuro em termos financeiros se o investimento for claramente proveitoso também no futuro, isto é, se o investimento de hoje tiver repercussões tais no futuro que as proximas gerações também dele beneficiem. É uma regra de ouro de qualquer gestão, não pode haver discrepâncias nos horizontes temporais dos investimentos face aos recursos. Não se contrai divida a 20 anos para um projecto cujos beneficios se esgotam ao fim de 5...

Mas alguma parte da responsabilidade deve recair também nos eleitores que premeiam os actos de gestão com a perspectiva eleitoralista, porque acabam por funcionar como o grande incentivo e o fim da propria gestão. Talvez falte ainda alguma cultura civica para que quem não gere convenientemente as contas das autarquias seja punido em eleições mais amiudadamente em vez de se ouvir tantas vezes falar em intervenções estatais para resolver problemas financeiros gravíssimos. Mas compreende-se a atitude dos eleitores, já tem a sua vida tão difícil...

Gerir uma autarquia não é so governar para os eleitores, mas governar para todos os munícipes, incluíndo os já falecidos, mas fundamentalmente, os que estão ainda por nascer! Se há uma noção de bem publico, então que seja compreendida nesta perspectiva de desenvolvimento sustentado, e não em meros actos de constante campanha eleitoral.

1 comentário:

José Manuel Dias disse...

Viva Carlos Martins!

Um post interessante...Um tema que deve merecer uma reflexão colectiva. Ninguém é "culpado" da situação que hoje vivenciamos mas, ainda que em grau diverso, somos todos responsáveis...
Um abraço