Chamam-lhe o fim do Neo-Liberalismo. Chamam-lhe a implosão de uma ideologia. Riem-se com a tragédia de milhões de americanos, e com o fim da política social dos EUA como hoje a conhecemos. Talvez... Talvez não.
Precisamente o contrário. Esta é a prova cabal das contrariedades da política intervencionista do Estado. Antes e depois do bailout da Fannie Mae e Freddie Mac.
O antes.
Depois da Grande Depressão, os EUA decidiram criar a Fannie Mae. E depois a Freddie Mac, criada em 1970, em tempo de fraco crescimento económico. Intervenção do Estado que permitiu injectar liquidez no mercado e acelerar o processo de recuperação económica. Resultado: faliu em ruptura e incapacidade de se manter em economia livre; pagam os contribuintes. Neste caso, pagam os actuais contribuintes pelo bem dos contribuintes passados. Nao passou de impostos diferidos no tempo.
Mais. Depois das crises petroliferas dos anos 70 e da recessão do fim dos anos 80, o Governo Norte-Americano decide potenciar o ambito de acção das chamadas GSE (government sponsored enterprises) - leia-se, organizações cujo financiamento é pago pelos contribuintes -, para permitir que todos os americanos possam possuir casa propria. Mesmo que nao tenham condições económicas para o fazer. (Soa a socialismo, não?). Estas organizações, dado o apoio implicito de governo americano, permitem-se assegurar e mesmo securitizar mortgages e empacota-las em novos activos vendidos com uma margem, lucro para as Fannie e Freddie. Tradução: contribuintes pagam para ter uma entidade que tome os depositos de todos (mesmo os que nao deviam poder pedir emprestimos) e torne esses emprestimos um risco de todos.
Contudo, estas GSEs nao eram empresas publicas. Os accionistas eram privados. Podiam investir (se quisessem) neste modelo de securitização, baseado no Estado. Mas o Governo so garantia a dívida.
Como já tinha aqui dito em posts anteriores, nao era garantido que os investidores (chamem-lhe especuldores, ou o que quiserem) se salvassem em caso de bailout. E assim aconteceu. Ou seja, os "odiosos" especuladores perderam o seu investimento, e os contribuintes vão continuar a pagar para que todos tenham casa propria. Mesmo que nao queiram.
O Depois.
O Tesouro americano decidiu tomar firme (ou pelo menos ter a opção de tomar firme) as duas GSEs este domingo. Na prática, o Governo vai entrar como credor das GSEs em Preferred Stock (com seniority a todas as outras Preferred Stocks), o que apenas significa que garante (como já garantia) a dívida senior das GSEs e que toda a divida subordinada às Preferred Stock onde o Tesouro se coloca, provavelmente valerá muito pouco (ou mesmo zero). [ convem aqui referir que preferred stock é um hibrido entre equity e dívida. funciona como uma acção, mas o pagamento de dividendos aproxima-se ao cupão de uma obrigação de dívida. Em caso de liquidação de uma empresa, apenas terá direito a reembolso de capital após a totalidade dos detentores de dívida senior serem reembolsados. Da mesma forma, os detentores de equity (acções) so receberão apos todos os detentores de divida senior e preferred stock serem reembolsados]
Traduzindo: os contribuintes garantem injectar 200 billion (200 mil milhoes) de USD se as GSE nao conseguirem sobrevivier. Vao pagar para alguns contribuintes nao perderem a sua casa.
Ora, tudo isto me parece tudo menos liberalismo económico. Não estou a alegar que os EUA nao sao um Estado liberal. Estou antes a alegar que, devido a pressões várias (há eleiçoes em Novembro...), o Governo americano abdica dos seus ideiais. E como a Historia sempre veio a confirmar, comete erros quando o faz.
Os contribuintes nao deviam ter que pagar para que quem nao podia ter créditos, os continue a ter, so para nao perder a casa que nunca devia ter tido. Os contribuintes nao deviam ter que pagar para salvar empresas publicas, feitas com bases erradas. Os contribuintes nao devem ter que pagar para ter show off pre-eleitoral (va lá que nao se lembraram de formar uma "Fundação Republicana para pensar na coisa pública...).
As GSE deviam ter falido. Com todas as consequencias que isso poderia acarretar. O mercado sempre sobreviveria. Provavelmente melhor do que sobrevive depois disto, porque esta intervenção abre brechas, o chamado risco moral: se se salva uma, ou duas, porque nao todas?