sábado, agosto 11, 2007

Crise do Crédito - a verdadeira história

Esta semana o mundo em geral ficou a conhecer um problema que há muito atormenta os mercados financeiros: a crise do mercado imobiliário americano. Importa, no entanto, esclarecer alguns pontos que nestes últimos dias tem vindo a público na comunicação social e cuja explicação dos orgãos de comunicação tem deixado muito a desejar.

O chamado sector subprime mortgage não é mais que uma faixa do crédito hipotecário dos EUA dedicado à população com maior propenção a fazer default (ou seja, a deixar de pagar a prestação) no crédito à habitação. Naturalmente, este tipo de empréstimos é feito a uma taxa de juro superior, para fazer face ao nível de risco. Convém ainda esclarecer que nos EUA o devedor pode pedir mais dinheiro enquanto vai pagando a o crédito à habitação, isto é, pode ter sempre a 100% o montante em dívida face ao valor da habitação. O problema é que até aqui o preço das casas não descia, logo era sempre possível ter a casa como garantia para o pagamento do emprestimo, pois esta valeria sempre tanto ou mais que o montante em dívida. O problema começa há uns meses quando o preço das casas em certas áreas começa a cair...

A história até aqui nem seria particularmente grave para os bancos. Acredita-se que o nível de default no subprime não vai além dos 5% a 10%. E estas instituições fazem a securitização destes créditos. O grande problema está precisamente aqui. As instituições com ligações ao subprime vendem o conjunto dos créditos subprime em pacote, para formar uma pool de créditos, diversificando o risco, podendo trocar entre si a uma taxa de rentabilidade superior de qualquer outro produto com protecção hipotecária, dado que está no sector subprime. Estes produtos chamam-se CDO's (Collateralized Debt Obligations) que não são mais do que estruturas financeiras, seguras pelo activo em si, ou seja, as casas. Estes produtos englobam diversos níveis de risco, sendo que o mais baixo eram precisamente a pool de subprime.

A grande questão é que ao ser possível trocar (comprar e vender) estes produtos de forma alavancada, muitos bancos viram uma oportunidade de ganhar mais alguns pontos percentuais com nivel de risco (pensava-se) suficientemente diversificado para não consistir um problema. Mas começaram então os preços das casas a cair, e isto não foi antecipado.

Da-se então a crise, dado que muitos destes bancos compravam alavancados estes produtos, o que implica que um nivel de default no subprime de 5% significa no minimo uma perda de 20% no capital investido.

O primeiro banco a divulgar problemas sérios com esta crise foi o banco de investimento Bear Stearns, o qual geria 3 fundos de investimento que apostavam fortemente nestes CDO's, e cuja desvalorização foi praticamente total. Mais alguns hedge funds globais foram divulgando entretanto alguns problemas também.

A crise no entanto alastrou-se na passada sexta-feira dia 10 de Agosto para a Europa, onde o BNP Paribas - um dos maiores bancos europeus e o maior de França -, divulgou que os investidores em três dos seus fundos estariam impedidos de efectuar resgates porque se dizia incapaz de avaliar os activos neles inseridos. A questão no caso do BNP Paribas foi ainda mais grave, pois dois desses fundos eram supostamente fundos de tesouraria, ou seja, com nivel de risco praticamente nulo.

A crise do sector bancário é no entanto uma crise de confiança. COmo daqui se pode concluir, houve notoriamente bancos que mentiram em relação ao nivel de risco dos seus fundos de investimento. E mais, há obviamente bancos cuja exposição ao subprime norte-americano é ainda desconhecida. E é precisamente por este motivo que se dá a falta de liquidez do sector bancário mundial. Falhou a indispensável confiança entre instituições bancárias para linhas de crédito usuais entre si. Ninguém nesta altura sabe que instituições poderão eventualmente estar expostas ao subprime. Daí a intervenção do ECB e do FED para disponibilizar liquidez ao mercado, como "lender of last resource". Note-se no entanto que todos os fundos do ECB e do FED so são disponibilizados perante apresentação como contrapartida de obrigações do tesouro de governos europeus ou norte-americano.

Finalmente, em relação á taxa de juro, não é ainda claro o que irá acontecer. Não é normal que o ECB se sinta influenciado por este problema para alterar a sua política, o que não significa que o aumento previsto para Setembro não possa ser o último... Já na reserva federal americana, o cenário é diferente: apesar de algum abrandamento da economica, dificilmente o FED cortará taxas, ao contrário do que o sector financeiro gostaria para fazer face a este problema. Ou seja, o problema do crédito não será resolvido com taxas mais baixas nem com taxas superiores, é um problema de liquidez e confiança. O que aconteceu esta semana nos futuros de taxa de juro é apenas resultado de uma fuga dos investidores para zonas de risco minimas, como as obrigações europeias e americanas.

7 comentários:

RM disse...

Caro Carlos Martins
Interessante explicação.
No entanto (e por motivos óbvios) não vai ao âmago da questão que, no meu entender, reside na fragilidade do liberalismo económico que tem provocado sucessivas crises cambiais e nos mercados de valores que cada vez mais criam desconfiança aos agentes económicos.
E como dizes (e bem) "sem confiança"…
Como é que um cidadão normal (como eu), que não é expert nestas matérias (como tu), pode ter confiança neste regime permissivo e liberalizado cada vez mais opaco e fechado em si próprio?
Como é que um cidadão normal que se esfalfa a poupar uns tostões para investir na bolsa encara, por exemplo, o que se passa no BCP?
É por isso, meu caro amigo que, ao contrário de si, eu não tenho qualquer fé no mercado ou melhor neste mercado desregrado e desregulamentado.
Mas fique descansado pois, estou certo que sob a capa de vir socorrer os pequenos investidores (que mais uma vez nessa soma de resultado nulo que é a bolsa vão perder os seus aforros), a Reserva Federal e o BCE há-de vir salvar os especuladores.
E no fim os ricos ficarão mais ricos e os pobres mais pobres tudo porque, como muitos irão dizer quando se fizer a história deste acontecimento,o "mercado" fez mais uma correcção.
Abraço
Raul Martins

Carlos Martins disse...

Não fui de facto ao amago da questão. Apenas tentei esclarecer o que se tem passado.

Mas dou-lhe alguma razao. É de facto alguma falta de regulamentação que está no cerne de todo o problema. E como diz - e bem - são também as fragilidades cambiais que tem provocado alguns destes problemas. Não é o caso deste problema, todavia.

Neste momento, os grande problemas em termos cambiais residem no Yuan (China) e no Iene (Japão). No primeiro caso porque o Governo Chines insiste em não deixar valorizar a moeda para continuar a sua expansão economica a todo o custo. No segundo caso, porque uma crise de deflação historica ainda nao permitiu ao BoJ aumentar as taxas de juro sem por em causa um crescimento economico ha muito esperado mais ainda nao concretizado.

Ha ainda uma terceira moeda problematica: o Dollar. Neste caso a historia é diferente. Os EUA conseguem por via cambial (desvalorizando o dollar face ao euro por exemplo) evitar males maiores em relação ao seu enorme deficit comercial. Com isto tudo e neste cenário, sendo o ECB o aluno mais certinho, é a Europa que paga a factura. Claro que Portugal é apenas uma região pequena no meio da zona euro, pelo que pouco preocupará a Trichet o quanto afectará os portugueses e Portugal esta politica de aumento de juros para travar a pressão inflaccionista, nem tão pouco se está em contra-ciclo com a nossa economica (quando este contra-ciclo nos foi favorável ninguem se queixou...).

Cumprimentos

RM disse...

Caro Carlos Martins,

O desenrolar dos acontecimentos tem vindo a provar o acerto do meu comentário.
É nestas alturas que dou por bem gasto o tempo que perdi a (por raiva) fazer uma tese de mestrado na área do política monetária e cambial. Quanto mais não seja para me inteirar das consequências da (à altura) tão glosada politica monetária neoliberal (e dos seus milagrosos efeitos na economia).
A acrescentar ao dito uma prece faço.
Oxalá esta profunda financeira, que não é senão uma das crises cíclicas(a última foi há 7 anos)do sistema capitalista desregulado em que vivemos, cuja causa próxima foi, mais uma vez, a desregrada avidez do sistema bancário (financeiro) que, como sabemos, tem consecutivamente batido recordes de lucros, não se transforme numa crise económica à escala global.
É que se assim acontecer os pequenos aforradores depois de terem perdido as suas parcas economias investidas na bolsa vão também perder os seus empregos. E não haverá descida de taxas directoras ou injecção de liquidez dos bancos centrais que os safe, ao contrário do "sistema" que, estou certo, vai sobreviver com honra (e proveito).
Não te quero provocar mas tu que tens perfeito conhecimento de tudo isto (bem melhor do que eu por estares "inside") não queres alterar o teu posicionamento político-económico?
Se quiseres mudar pergunta-me como!
Há um tapete à porta do meu partido que diz Welcome…
Se não quiseres cá me terás à perna (embora eu saiba que estas questões que não envolvem futebol e parece nada terem a ver com a política não são, geralmente, atractivas para quem consulta blogs)...

Abraço
Raul Martins

E já agora, pelo que tenho lido, parece que vcs em Aveiro não andam nas melhores companhias. Quando o “independente” chefe da banda é apoiante de um candidato a umas eleições internas de um partido será que ainda é independente? Será que informou os seus parceiros da coligação do facto? Cheira-me que em Aveiro o PPD/PSD se prepara para fazer ao CDS/PP aquilo que fez em Lisboa. Tu és muito Jovem mas eu ainda me lembro do Krus Abecassis ter (também) ganho as eleições pelo CDS em Lisboa. E vê lá ao que lá chegaram com as amizades e o apoios ….
Cá como lá?
RM

Anónimo disse...

Caro Carlos Martins,

As companhias são sempre companhias, desde que estejamos certos do caminho que pretendemos trilhar. Quem será este senhor Raúl Martins, Mestre e Professor, pelos vistos em áreas imensamente variadas, para julgar as companhias que cada um escolhe para si? Será que ele próprio é uma boa companhia? Creio que esta é meramente uma pergunta retórica, já que a resposta é mais do que óbvia.

O estilo e a prosa começam a desgastar-se de tal forma que, quando der por ela, já ninguém o lê, nem sequer o ouve.
Aguardemos serenamente pelas cenas dos capítulos que aí veêm.

Abraço de um, por enquanto, anónimo.

RM disse...

Caro Carlos Martins,
Como sabes não ligo a essa corja anónima que polula pelos comentários dos blogs (também no meu embora as coisas estejam a melhorar).
Gostaria que dissesses a esse ilustre senhor, por enquanto anónimo, que se assuma e saia do armário de onde comodamente debita bitaites.
Aguardemos que VENHA para que todos possamos VER quem é.
E, entretanto que vá lendo http://jn.sapo.pt/2007/08/27/nacional/elio_maia_convidado_para_militante.html. Pode ser que assim fique mais esperto e deixe de chatear.
Abraço
Raul Martins

Anónimo disse...

Este Dr. Martins é um must. Se não existisse alguém o teria que inventar; mas alguém especial, com a devida dose de boçalidade, uma inteligência fora do normal, claro, porque inventar um homem assim não é para qualquer um, e uma pitadita de maus fígados, que fica sempre bem a um putativo candidato a candidato a eventual candidato.
Vá-se esforçando, Dr. Martins, mais esperto não fica que não precisa, mas sempre pode alimentar a ilusão de que está quase a chegar lá, onde quer que isso seja para si.

RM disse...

Caro Carlos Martins,
Tenho um pó tão grande aos covardes que, a coberto do anonimato, poluem blogs de gente séria,que até escrevi pululam com o.
Peço desculpa pelo erro.
Raul Martins